Arthur Hayes costuma viajar levando malas cheias de bichos de pelúcia.
O bilionário do setor cripto, aos 40 anos, possui uma coleção com mais de 100 brinquedos de pelúcia, nomeia cada um deles e os leva nas suas viagens para comemorar conquistas importantes. No apartamento onde cumpriu seis meses de prisão domiciliar em Miami, era possível ver uma estrela-do-mar chartreuse, uma raposa, um tatu, uma girafa, um elefante, um polvo, uma cobra e uma acelga com traços humanos enfileirados como no quarto de uma criança.
Esse hábito pode soar incomum para alguém que criou o instrumento financeiro dominante nas negociações de criptomoedas. Mas Hayes nunca seguiu padrões convencionais.
Em 2013, operadores de Bitcoin enfrentavam um problema ao mesmo tempo absurdo e matematicamente intrigante.
Todos os meses, os contratos futuros venciam, exigindo que os traders renovassem suas posições como se estivessem em uma simulação financeira cara e interminável.
Renove o contrato, pague taxas, repita sem parar, transferindo dinheiro gradativamente para as exchanges por meio dos custos de transação.
Arthur Hayes, especialista em derivativos que trabalhou no Deutsche Bank e no Citigroup desvendando como lucrar com a “engenharia matemática” que sustenta os mercados, avaliou o cenário e teve um pensamento que só pode ser chamado de caro.
“E se o tempo não existisse?”
Não se tratava de filosofia. Hayes não vivia uma crise existencial sobre o tempo.
Ele refletia sobre o impacto de criar um contrato futuro sem vencimento, eliminando o ciclo mensal de cobrança de taxas que, pouco a pouco, levava todos os traders de Bitcoin à bancarrota.
A solução transformou Hayes em referência do cripto, trouxe ao mercado o instrumento que sustenta grande parte das negociações de criptomoedas e, por fim, resultou em acusações federais por ter construído tudo sem buscar autorização dos órgãos competentes.
Esta é a história do que acontece quando alguém aplica engenharia financeira clássica a mercados desenhados por desenvolvedores que consideram “regulação” apenas uma sugestão.
Essa é a proposta da Almanak.
Trata-se de um verdadeiro exército de quants digitais: agentes de inteligência artificial que analisam mercados, desenvolvem estratégias e executam operações ininterruptamente, 24 horas por dia.
A Almanak elimina o achismo e democratiza o acesso à estratégia DeFi avançada, reduzindo o tempo de implementação de meses para poucos minutos.
A visão é ousada e já foi reconhecida pela comunidade. A rodada comunitária da Almanak na Legion está aberta neste momento.
DeFi não espera. Você também não deve esperar.
Hayes cresceu em Detroit durante os anos 1980, com ambos os pais empregados pela General Motors e a convicção de que a educação era o caminho mais seguro para escapar dos ciclos de crise da indústria automotiva. Eles se mudaram para Buffalo para que ele estudasse na Nichols School, colégio preparatório onde jovens ricos aprendiam latim e os menos favorecidos aprendiam a se conectar com os mais privilegiados.
Formou-se em segundo lugar na turma e ainda jogava tênis pela equipe do colégio. Após passar pela Universidade de Hong Kong e Wharton, diplomou-se em 2008 em Economia e Finanças — ótimo timing para quem queria assistir ao colapso do sistema financeiro global em tempo real.
Em vez de ficar em Nova York para discutir os rumos pós-crise de Wall Street, Hayes foi para Hong Kong. A decisão se mostrou certeira, já que Hong Kong oferecia oportunidades para negociação de derivativos exóticos e menos questionamentos sobre riscos sistêmicos.
Como estagiário sem dinheiro, Hayes transformou entregas de comida em lucro, aplicando spreads em cada pedido para colegas e faturando centenas de dólares por semana. Quando recrutadores visitaram Wharton, ele os surpreendia levando-os a baladas na Filadélfia. Suas escolhas de roupa no trabalho viraram lenda — certa sexta-feira casual, usou uma polo rosa justa, jeans com lavagem ácida e tênis amarelos vibrantes, levando o chefe do departamento a perguntar: “Quem é esse cara?” O episódio acabou com as sextas-feiras casuais.
Em 2008, o Deutsche Bank contratou Hayes para atuar como trader de derivativos de ações no escritório de Hong Kong. Foi onde ele mergulhou nos cálculos complexos dos derivativos — instrumentos financeiros cujo valor depende de ativos subjacentes.
Sua especialidade era trading delta-one e ETFs — equivalente à hidráulica no mundo financeiro. Não é glamouroso, mas é essencial e pode ser altamente lucrativo para quem conhece os meandros do sistema.
Após três anos capitalizando em discrepâncias de preços que duravam meros segundos, transferiu-se ao Citigroup em 2011. Em 2013, mudanças regulatórias acabaram com as oportunidades e Hayes foi demitido, liberando-o para descobrir o Bitcoin justamente quando o setor precisava de alguém com domínio da engenharia financeira tradicional.
Em 2013, Bitcoin era negociado em exchanges criadas por pessoas que programavam protocolos blockchain, mas não conheciam exigências de margem. Hayes viu um mercado funcionando sem parar, sem circuit breakers, sem autoridade central e completamente sem gestão de risco sofisticada. Era o futuro das finanças — ou uma forma rápida de perder dinheiro. Para Hayes, as alternativas se complementavam.
A infraestrutura era básica, mas o funcionamento interno despertou seu interesse. O mercado pedia, urgentemente, pela engenharia financeira aplicada que ele dominava.
Ele se uniu a Ben Delo, matemático capaz de desenvolver engines de negociação, e Samuel Reed, especialista em tecnologia de criptomoedas. Em janeiro de 2014, criaram a BitMEX — Bitcoin Mercantile Exchange — e a apresentaram como “a melhor plataforma de negociação peer-to-peer”, competindo com exchanges que mal funcionavam.
Os três fundadores tinham habilidades complementares: Hayes dominava estrutura de mercado e derivativos, Delo desenvolvia engines sofisticados, Reed era profundo conhecedor da tecnologia blockchain.
A BitMEX entrou no ar em 24 de novembro de 2014 com operações focadas em derivativos de Bitcoin. O lançamento foi resultado de meses de desenvolvimento meticuloso e testes de estresse. Na estreia, os fundadores estavam literalmente em diferentes partes do mundo — Hayes e Delo em Hong Kong, Reed participando da Croácia durante a lua de mel.
Os primeiros produtos ofereciam contratos alavancados de Bitcoin e futuros quanto, permitindo aos operadores especular sobre o preço do Bitcoin sem possuir o ativo. Eram instrumentos financeiros avançados, que exigiam conhecimento sobre margem, processos de liquidação e hedge cambial.
Mas Hayes e o time estavam apenas iniciando.
Em 13 de maio de 2016, a BitMEX inovou com o lançamento do XBTUSD perpetual swap: um contrato perpetuo semelhante ao futuro, que não expira, com pagamentos de funding entre posições compradas e vendidas, ancorando o preço ao mercado à vista do Bitcoin. O perpetual swap permitia alavancagem de até 100x e liquidação em Bitcoin.
Futuros convencionais vencem mensalmente, obrigando operadores a renovar posições e pagar taxas. Hayes adaptou um mecanismo de funding dos mercados cambiais e implementou nos futuros de Bitcoin. Em vez de expirar, os contratos usam pagamentos de funding entre comprados e vendidos para manter o preço alinhado ao mercado spot. Se o contrato negocia acima do spot, comprados pagam vendidos; abaixo, vendidos pagam comprados. O próprio mercado corrige os desvios.
Isso eliminou datas de vencimento, cortou custos de transação e criou uma ferramenta tão eficiente que rapidamente foi copiada por outras exchanges. Hoje, contratos perpétuos representam grande parte do volume global de cripto. Hayes resolveu o fator tempo dos contratos de derivativos.
O XBTUSD da BitMEX tornou-se rapidamente o principal mercado de derivativos de Bitcoin do mundo. A gestão de risco avançada, ferramentas profissionais e alavancagem atraíram traders do setor financeiro tradicional e do segmento cripto.
Em 2018, a BitMEX operava mais de 1 bilhão de dólares em volume nocional por dia. A exchange se instalou no 45º andar do Cheung Kong Center, um dos edifícios comerciais mais caros de Hong Kong. Quando a BitMEX ficou fora do ar durante a manutenção, o preço do Bitcoin subiu 4%, acrescentando 10 bilhões de dólares ao valor total do mercado cripto.
A BitMEX proibia clientes dos EUA, mas críticos apontavam que as restrições eram simples de driblar. A influência da exchange sobre os preços do Bitcoin chamou atenção de pesquisadores, reguladores e políticos, quando estavam começando a decifrar os mercados de criptomoedas.
Em julho de 2019, o economista Nouriel Roubini publicou relatório alegando “ilegalidade sistêmica” na BitMEX, acusando-a de permitir riscos excessivos e lucrar em liquidações dos clientes. As denúncias motivaram investigações oficiais e audiências no Congresso sobre a estrutura dos mercados cripto.
No fim de 2019, derivativos de Bitcoin movimentavam 5-10 bilhões de dólares diariamente, dez vezes o volume de negociações spot. A BitMEX era responsável por parcela relevante dessa atividade, colocando Hayes e seus sócios no centro do setor global de cripto.
Em 1º de outubro de 2020, o desfecho veio com as acusações federais. A CFTC apresentou processos civis enquanto o DOJ revelou acusações criminais, alegando que a BitMEX atuou como merchant não registrado ao atender clientes dos EUA enquanto ignorava normas de prevenção à lavagem de dinheiro. Promotores sugeriram que Hayes e os parceiros ignoravam compliance enquanto lucravam centenas de milhões.
Hayes deixou o cargo de CEO imediatamente; Reed foi detido em Massachusetts e Hayes e Delo passaram a ser considerados “foragidos”, termo do DOJ para “sabemos onde estão, mas ainda não os prendemos”.
O processo se estendeu por mais de dois anos—tempo em que Hayes revelou talento para escrever sobre mercados e política monetária. Seus artigos no “Crypto Trader Digest“ viraram leitura obrigatória para quem busca compreender como macroeconomia, decisões do Federal Reserve e preços do cripto se conectam. Hayes construiu frameworks para explicar por que deliberações dos bancos centrais inevitavelmente conduzem à valorização do Bitcoin.
Em agosto de 2021, a BitMEX pagou 100 milhões de dólares para encerrar as ações civis. Em 24 de fevereiro de 2022, Hayes declarou-se culpado de não implantar programa AML. Em 20 de maio de 2022, foi condenado a seis meses de prisão domiciliar, dois anos em regime de liberdade vigiada e multa de 10 milhões.
Durante o trâmite judicial, Hayes consolidou-se como um dos analistas mais influentes do cripto. Suas avaliações sobre a política do Federal Reserve e do preço do Bitcoin impactaram traders e instituições, reforçando o entendimento do cripto como ativo macroeconômico. Hayes detalhou conceitos como o “NakaDollar“—um dólar sintético criado ao combinar posições em Bitcoin com contratos perpétuos vendidos, oferecendo exposição ao dólar sem a infraestrutura bancária tradicional.
Hayes também defende o Bitcoin como proteção contra desvalorização monetária:
“Estamos migrando de uma sociedade analógica para uma digital na transferência de dinheiro; vai ser altamente disruptivo”, disse Hayes. “Vi no Bitcoin e no cripto a chance de criar uma empresa capaz de aproveitar essa enorme transformação.”
Em 27 de março de 2025, o presidente dos EUA, Trump, concedeu perdão a Hayes e seus cofundadores da BitMEX, encerrando oficialmente o capítulo judicial. Nesse momento, Hayes já consolidara sua carreira pós-BitMEX como CIO da Maelstrom, family office focada em investimentos em venture capital, estratégias líquidas e infraestrutura cripto.
O fundo apoia o desenvolvimento do Bitcoin por meio de grants de 50 000 a 150 000 dólares por desenvolvedor, demonstrando a convicção de Hayes de que o desenvolvimento open-source do Bitcoin exige financiamento sustentável. “O Bitcoin é o alicerce do universo cripto e, ao contrário de outros projetos, nunca houve oferta para levantar capital visando o desenvolvimento técnico”, explica o site da Maelstrom aqui.
A atual estratégia de Hayes reflete sua visão macro. Em agosto de 2025, ele fez manchetes ao investir mais de 15 milhões de dólares em criptomoedas em apenas cinco dias, priorizando Ethereum e tokens DeFi em vez de Bitcoin. Comprou 1 750 ETH (7,43 milhões de dólares), além de posições significativas em HYPE, ENA e LDO. A alocação reflete sua convicção de que certas altcoins irão se beneficiar do avanço institucional no ETH, maior adoção dos stablecoins e protocolos que geram receita suprindo demandas específicas do mercado.
Hayes também se tornou um dos maiores defensores da Ethena (ENA), protocolo de dólar sintético que se baseia em conceitos de derivativos que ele próprio introduziu na BitMEX. Em agosto de 2025, investiu em 3,1 milhões de ENA (2,48 milhões de dólares), tornando-se um dos principais holders individuais do projeto. Hayes vê a Ethena como evolução do conceito de NakaDollar, utilizando derivativos para criar ativos atrelados ao dólar sem depender da infraestrutura bancária tradicional. O investimento sinaliza sua aposta numa nova geração de projetos que inovam com swaps perpétuos e funding mechanisms para reimaginar ativos sintéticos.
No começo do mês, vendeu 8,32 milhões de dólares em Ethereum quando o preço estava próximo de 3 500, por questões macroeconômicas. Quando ETH voltou a superar 4 150, recomprou, admitindo nas redes: “Tive que recomprar tudo. Prometo, nunca mais realizo lucro.”
Sua tese macro atual foca na expectativa de emissão inevitável de moeda pelo Federal Reserve. Hayes argumenta que problemas estruturais—como crises no setor imobiliário, mudanças demográficas e fuga de capitais—forçarão a autoridade a injetar cerca de 9 trilhões de dólares no sistema financeiro. “Se não emitir, o sistema entra em colapso”, diz ele, com foco nos déficits de Fannie Mae e Freddie Mac.
Se este cenário se concretizar, Hayes projeta que o Bitcoin poderá atingir 250 000 dólares até o final do ano, com investidores buscando alternativas às moedas fiduciárias desvalorizadas. Para o médio prazo, acredita que o Bitcoin pode alcançar 1 milhão de dólares até 2028, dado o diagnóstico de insustentabilidade do sistema monetário atual e o papel do Bitcoin como reserva de valor.
O perpetual swap revolucionou o mercado cripto ao retirar os obstáculos dos derivados tradicionais.
Em 2025, até plataformas como Robinhood e Coinbase lançam seus próprios produtos perpétuos, enquanto exchanges como Hyperliquid constroem negócios inteiros a partir da inovação de Hayes.
A regulação advinda dos casos BitMEX definiu os padrões do setor. Programas eficazes de prevenção à lavagem de dinheiro, verificação de clientes e registro passaram a ser requisitos mínimos para exchanges globais.
Aos 40 anos, Hayes ocupa papel singular no ecossistema cripto. Ele conhece as finanças tradicionais de antes do Bitcoin, participou da construção da infraestrutura que transformou o setor e enfrentou tanto o sucesso meteórico quanto implicações jurídicas graves.
Sua trajetória mostra que, em cripto, o sucesso sustentável depende de compreender tecnologia e regulação, inovação e conformidade. O contrato perpétuo prosperou porque, além de ser tecnicamente sofisticado, solucionou problemas práticos dos traders e se enquadrou nos marcos legais—ao menos até que a regulação acompanhasse a inovação.
“Nós não precisávamos pedir permissão para construir isso, e em qual outro setor três pessoas podem criar uma exchange de bilhões de dólares em volume diário?”, refletiu Hayes sobre a BitMEX.
O comentário resume o potencial e a responsabilidade de construir infraestrutura financeira em um cenário regulatório em constante mudança.
Hoje, Hayes segue analisando mercados e fazendo apostas concentradas com lógica macro, influenciando o setor para além de qualquer operação isolada. Por meio de seus textos, investimentos e participação ativa, ele é uma das vozes mais relevantes no meio cripto, onde a análise profunda nem sempre é tão valorizada quanto o hype.
Por hoje é tudo sobre Arthur Hayes. Na próxima semana, mais um perfil.
Até lá, continue curioso.